A base da democracia está na possibilidade de escolha, pelo povo, de seus governantes, escolha feita periodicamente, de forma livre e segundo convicção pessoal, ideológica ou não, com valor igual para todos (um homem, um voto). É, provavelmente, o único momento em que todos são efetivamente iguais.
No Brasil, o sistema proporcional tem como um dos postulados privilegiar os partidos políticos e a ideologia por eles defendido, de tal modo que a composição do legislativo, o poder mais representativo dos três, é feita a partir do cálculo do quociente eleitoral, que leva em consideração os votos dados aos candidatos do mesmo partido ou coligação, para o fim de distribuir entre os partidos as cadeiras do parlamento. Por seu turno, a Constituição exige que para concorrer a cargo eletivo esteja o candidato filiado a um determinado partido, e o TSE já definiu, que a mudança de partido, sem justa causa, implica em perda do mandato, decisão que privilegia a vinculação do eleito à ideologia do partido, tese que aliás, defendemos sem sucesso há alguns anos, e que só agora foi reconhecida pelo judiciário.
Ou seja, todo o sistema garantidor da Democracia no Brasil está sustentado na ideologia partidária, e o voto é o grande instrumento do eleitor para participar do processo de decisão e gestão do Estado, incumbindo ao legislativo e ao judiciário dever de garantir a participação livre do eleitor, a manifestação de sua vontade até mesmo quando vota em branco ou nulo, formas de manifestação legitimas de sua soberana vontade.
Ocorre que, algumas decisões judiciais têm andado na contra mão das garantias eleitorais e, portanto, na contra mão da própria Democracia, e são vários os exemplos, inclusive os mais recentes de considerar que o suplente a ocupar um cargo vago seja o suplente do partido e não da coligação, e o de que os votos atribuídos a um candidato que, no ato da eleição era considerado elegível, ou no mínimo ápto a receber o voto de seus eleitores, e que, por decisão judicial posterior veio a ser caçado, para usar o termo popular, tendo os votos a ele atribuídos cancelados ou considerados nulos, não valendo nem mesmo para o cálculo do quociente eleitoral.
As decisões me levam a ponderar, no primeiro caso: a coligação, por força da própria legislação, não é considerada como um só partido?; Os votos atribuídos a qualquer dos candidatos da coligação independentemente do Partido ao qual pertença acaso não foi contado para efeitos do cálculo do quociente eleitoral?; Não se apresentou a coligação ao eleitor como um único partido, ou um bloco de partidos defendendo a mesma ideologia, a fim de convencer o eleitor a sufragar o candidato que defende aquela ideia?; O eleitor não está obrigatoriamente vinculando seu voto àquela coligação, ainda que intencionalmente pretendesse votar só no candidato?
Oras, se o eleitor está obrigado a vincular seu voto a uma ideia, a um candidato que defenda aquele ideal, vinculado a um ideal supostamente defendido pela coligação, e se seu voto conta para a realização do cálculo, que irá compor a formula de preenchimento das vagas, por certo que aquele ato, aquela manifestação de vontades não pode se exaurir com a eleição, sendo um equivoco sustentar que a coligação só tem a duração de um efêmero período eleitoral quando os eleitos exercem seus mandatos por uma legislatura que dura quatro anos. É dizer, o voto do considerado como dado para a coligação é suportado pelo eleitor durante quatro anos, entretanto, em havendo a vaga, aquele voto, aquela intenção cuja lei vinculava a coligação, e o suplente da coligação perde aquela condição para que um suplente do partido ocupe a vaga, em verdadeira nova eleição desta feita indireta, graças à mudança das regras pelo Judiciário, e claramente afrontosas a própria democracia.
No segundo caso, do mesmo modo, o candidato é admitido a concorrer a um pleito eleitoral, e mais das vezes é eleito, diplomado, toma posse e entra em exercício, para depois ter sua candidatura impugnada, ou julgado processo que pendida de decisão, vindo a perder o cargo, tendo seus votos anulados, desconsiderados para efeito de cálculo do quociente eleitoral, modificando todo o quadro pretendido pelo eleitor, que não tinha conhecimento da temeridade que cometia ao sufragar alguém que poderia ter a eleição impugnada e que teria seu voto desconsiderado, sendo certo que, se conhecimento tivesse, provavelmente não votasse naquele candidato.
Os dois exemplos, que foram sacados dentre muitos outros que poderiam ser utilizados, demonstram claramente que o sistema eleitoral vem sendo desvirtuado, com evidente prejuízo para a democracia e quem está sendo verdadeiramente punido é o eleitor.
Esperemos que a reforma política que se anuncia não continue a punir o eleitor e a espancar a Democracia, restituindo ao eleitor a importância que ele possui.